Obs.: O texto seguinte
foi escrito em 2013, logo após o escandaloso boato do “fim do Bolsa Família”
(final de maio de 2013). Escrevi o texto especialmente para o blog de um amigo
(sobre o Bolsa Família). Como o blog dele não existe mais e como o assunto é
bem atual resolvi publicar no Blog do Zégua para o conhecimento dos leitores
mais recentes.
Verdades que vieram à tona nos
recentes acontecimentos envolvendo o Programa Bolsa Família.
1 – O BOLSA FAMÍLIA É
SAGRADO, INTOCÁVEL, E AI DE QUEM FOR CONTRA ELE
Muitas pessoas, inclusive eu, sempre
suspeitaram disso. O Programa Bolsa Família (PBF para os íntimos) veio para
ficar... para sempre! A idéia inicial até que era boa, mas sem um projeto para
os beneficiários (tipo uma capacitação profissional, uma porta para a inserção
num emprego digno, etc.), o PBF tornou-se apenas um mero sustento para os menos
favorecidos e, o que é pior, uma fórmula perfeita para a compra de votos.
O beneficio deveria vir com um prazo
de validade. Ou seja, a pessoa iria receber o beneficio por um certo tempo até
ser inserida num serviço onde pudesse se manter por conta própria, pelos seus
próprios esforços. Mas quem se mantém pelo próprio suor pode ficar
independente. E se ficar independente pode até raciocinar e refletir antes de
escolher seu candidato nas próximas eleições. E se aprender a refletir, corre o
risco de votar em quem quiser. E isso certos políticos corruptos não querem
jamais.
Então se o PBF fica como está, a
pessoa torna-se dependente dele como um viciado depende de uma droga, e isso de
tal forma, que o maior medo dessas pessoas é votar em alguém que seja contra o
tal programa. Aí chegamos a um grave problema:
2 – É FÁCIL FAZER UM
CANDIDATO PERDER UMA ELEIÇÃO – É SÓ ELE SER DOIDO SUFICIENTE PARA DECLARAR QUE
É CONTRA O BOLSA FAMÍLIA
Se o PBF é sagrado e intocável, a
dedução é simples: ganha a eleição quem for a favor dele e perde de goleada
quem for contra. Isso ficou mais do que claro nos acontecimentos desse final de
semana (18 e 19 de maio de 2014). Mas como a maioria dos candidatos são “raposas
velhas”, é claro que nenhum deles é idiota para declarar que é contra o PBF.
Porém, o que ficou evidenciado recentemente é pior do que se imagina. O
candidato pode até declarar que é a FAVOR do PBF, pode até prometer ampliar e
melhorar o tal programa, mas o inimigo tem uma arma secreta infalível...
3 – UM SIMPLES BOATO
BEM ELABORADO DURANTE UMA CAMPANHA ELEITORAL TEM POTENCIAL SUFICIENTE PARA
DETONAR A ELEIÇÃO DE QUALQUER UM
Um político pode até jurar, sobre uma
montanha de Bíblias, que é a favor do Bolsa Família, mas bastará um simples
boato bem articulado (tipo: que o tal candidato, se eleito, vai acabar com o
Bolsa Família), e sua candidatura será detonada da pior forma possível. Isso
foi provado recentemente. O povão ignorante, analfabeto, escravo do sistema,
não tem capacidade (e liberdade) para raciocinar, fazer juízos, distinguir o
certo do errado, discernir a verdade da mentira, e por isso, acredita, sem
pestanejar, naquilo que mexer com seus interesses (e especialmente com os seus
bolsos).
Nas eleições passadas essa tática foi
usada e abusada pelos políticos. Uma notícia se espalhou a respeito de um certo
candidato, dizendo que ele era contra o Bolsa Família. Não adiantou ele tentar
argumentar, a arapuca foi bem feita.
4 – O DEMÔNIO INVOCADO
NÃO PODERÁ MAIS SER MANDADO DE VOLTA AO INFERNO
O famoso poeta alemão Goethe, em seu
poema “Aprendiz de feiticeiro”, diz uma frase perturbadora: “Não consigo me livrar dos espíritos que
invoquei”. A situação expressa o seguinte: um feiticeiro invoca um espírito
do abismo e depois tem a maior dor de cabeça ao tentar se livrar do tal
demônio.
Você pode até achar a comparação
estranha, mas o sentido é o mesmo. O PBF é como um monstro que o governo criou
e agora não consegue mais se livrar dele, mesmo que queira. Se o governo
pretendia que o PBF fosse uma ajuda temporária, as pessoas se “viciaram” nessa
“ajuda” e agora não conseguem mais viver sem ela. Mesmo que haja relatos de
pessoas que melhoraram de vida e resolveram sair do programa para ceder o lugar
aos menos favorecidos, a verdade é que a grande maioria não quer largar o osso
de jeito nenhum. Somos testemunhas diariamente (nós, técnicos, coordenadores e
entrevistadores que trabalham com o programa) de casos em que as pessoas, mesmo
com uma renda razoável, até brigam para não sair do programa.
5 – PARA MUITOS
BRASILEIROS, O BOLSA FAMÍLIA É UMA NOVA FORMA DE DIVIDIR MORALMENTE A
HUMANIDADE
Nas eleições municipais passadas
vimos muito disso. As pessoas dividiam-se em dois grupos: O grupo da situação
era o GRUPO DO BEM, e o da oposição, o GRUPO DO MAL. Qualquer acontecimento
negativo envolvendo alguém da oposição era proclamado aos quatro ventos com
satisfação: “Tão vendo o que eles fazem? Do lado deles só tem esse tipo de
gente, gente do mal.” Muitos políticos, ao subir nos palanques, exclamavam:
“Deus está do nosso lado”. Ou seja: Deus está com a gente e o diabo está com
eles (os opositores). De vez em quando ouvimos isso na televisão, na política
nacional. É claro que os políticos de Brasília costumam usar metáforas ou
palavras mais inteligentes (ou obscuras), mas o sentido é o mesmo. A situação é
o partido da verdade, e a oposição é o partido da mentira. Atualmente no Brasil
se você quer fazer inimigos é só dizer que é contra o casamento gay ou contra o
Bolsa Família.
6 – QUALQUER QUE SEJA O
PROBLEMA COM O BOLSA FAMÍLIA A CULPA É SEMPRE DOS OUTROS
Quem trabalha com o Programa sabe:
Sempre que o beneficio de alguém é bloqueado ou cancelado, o serviço 0800 tem a
resposta na ponta da língua: “O PROBLEMA É NO DEPARTAMENTO DO BOLSA FAMÍLIA DO
SEU MUNICIPIO”. Alguns até ousam declarar: “MINHA SENHORA, AQUI NO NOSSO
SISTEMA, NÃO TEM NADA ERRADO COM O SEU BENEFICIO. ALGUMA COISA TÁ ERRADA É NA
PREFEITURA DO SEU MUNICIPIO”. Nesses últimos anos, aliás, desde o inicio do Programa,
sempre que ocorreram problemas oriundos do próprio sistema, a CAIXA raramente
se manifestou publicamente. Eu disse “raramente”, mas não lembro de nenhum caso
em que se manifestaram. Quando não joga a culpa nos operadores municipais, o
pessoal da CAIXA geralmente se cala, se esconde, se omite, mas não assume
publicamente o erro.
Agora não foi diferente. E tiveram
até ajuda extra. Uma ministra do atual governo se apressou em culpar a
oposição. Pra quem não conhece, veja o que ela declarou no twitter: “Boatos sobre fim do bolsa família deve ser
da central de notícias da oposição. Revela posição ou desejo de quem nunca
valorizou a política.” A Polícia Federal foi acionada para descobrir o “criminoso” e “desumano” (palavras da presidenta) autor do terrível boato. Os
operadores municipais do programa que coloquem suas barbas de molho.
BOLSA FAMILIA, O
ESTOPIM DO ARMAGEDOM BRASILEIRO
Armagedom é uma palavra bíblica
bastante conhecida nos círculos militares, pois é o nome do local geográfico,
onde, segundo a Bíblia (precisamente Apocalipse, capítulo 16), acontecerá uma
guerra mundial, pouco antes da Segunda Vinda de Cristo. Bem, o termo
“Armagedom” virou sinônimo de catástrofes, fim do mundo ou coisa parecida. Por
isso, a comparação com o PBF. É só imaginar a cena. Se um simples boato
provocou tanta histeria (e violência, pois há vários relatos de caixas
eletrônicos violados), pense no que poderia acontecer se o governo decretasse,
de verdade, o fim do Bolsa Família.
Pensemos em algo ainda pior. Se o
programa acabasse de repente e o governo culpasse o pessoal que trabalha nos
municípios. Meus amigos, é assustador pensar nisso. Só quem trabalha com o
programa (nos municípios) sabe: estar diante de alguém cujo cartão foi
cancelado é como estar diante de uma fera ferida. Especialmente depois que esse
alguém ligou para o 0800 e recebeu a “revelação” de que toda a culpa é dos
caras que trabalham nas prefeituras.
Alguma coisa tem que ser mudada. E
urgentemente. Do contrário, as próximas notícias sobre o Bolsa Família vão
aparecer somente nas páginas policiais. Ou nos avisos fúnebres.
“Por
falta de conhecimento, o povo se lasca.” (Oséias 4.6, versão na linguagem
nordestina)
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